domingo, 3 de julho de 2016

Cartas

Todas as cartas são comoventes. Pouco importa o teor. São. Ecos de um passado não muito distante, quando serviam de liame entre dois mundos, resgatando um passado um pouco mais distante, da remessa, trazido para outro passado, este um pouco menos, do destino.

Quem lê uma carta, vive um tempo ido. Cartas trazem consigo a incerteza. Quem escreveu a mim está para mim hoje como sua carta que me chegou às mãos? Uma carta é como a luz de uma estrela, que nos chega aos olhos tempos depois de ter saído de lá. E "lá" pode mesmo nem mais existir.

Uma carta é como um botão que une dois lados distantes de uma mesma camisa. É uma ponte entre passado e futuro. Enquanto me escreve, não sabe se serei ainda o mesmo que ora sou, quando chegar o momento de desdobrar o papel e começar a decifrar as letras na sua superfície.

Todas as cartas são comoventes. Não pode não ser comovente, se começa com a ternura de "meu querido" e finaliza com a pungência do "estou com saudades". Porque uma carta é uma ausência. É o sopro de voz de alguém que está longe. É a presença que não se cumpre, senão sob a forma da incompletude.

Ler uma carta é dublar uma voz que não se ouve, de quem falou ontem o que se escuta hoje; quando hoje ficou para trás, porque, afinal, quem ainda escreve cartas? Todas as cartas são comoventes. Há tantos dedos esperando com sofreguidão violar um envelope para desnudar uma missiva, quando há tão poucas mãos que se dispõem a segurar uma caneta para tatuar a superfície do papel.

Escrever cartas deixou saudade. Carta é nostalgia. Duas vezes nostalgia. Porque toda carta traz consigo saudade. Não são apenas letras, rabiscos e uma folha de papel. Uma carta é a falta que alguém faz a outrem. É um retrato de forma poética de um desencontro. Mas, por trazer consigo o desejo, a despeito de esfregar a distância na cara de quem escreve e de quem lê, uma carta é um presente. Raro. E comovente. Como somente as cartas podem ser.

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