terça-feira, 8 de março de 2016

Feliz dia das.

Passei minha infância em uma casa com três mulheres mais velhas que eu e com cujos olhos aprendi a olhar o mundo. Obviamente, até uns cinco ou seis anos de idade, minha cabeça - que estava descobrindo o mundo e que, felizmente, ainda está - passou por alguma confusão por ter que lidar com três seres que não eram como eu porque traziam entre as pernas uma genitália diversa da minha.

Levei muita bronca da minha mãe porque fui pego em flagrante tentando usar seu batom escondido. Não, nunca quis ser mulher, até porque com cinco anos eu nem sabia o que era ser mulher ou ser homem. Era apenas uma curiosidade de criança que via as únicas pessoas com quem compartilhava o mesmo teto usando um objeto colorido que eu não podia usar. E como quase toda criança, queria para mim aquilo que o outro tem. Acontece que "o outro" na casa da minha infância eram "as outras".

Da mesma forma, nunca gostei de ficar sem camisa num microcosmo em que todas estavam vestidas e eu era único que me via obrigado a me despojar das minhas roupas. Porque eu era menino. Fazia com que me sentisse diferente. E a adaptação neste pequeno reino feminino não foi tão fácil. Já tinha lá meus sete, oito anos, quando o contato mais prolongado com os garotos na rua me mostraram que havia um universo de meninas e um universo de meninos. Um grande bobagem que tive de aprender para poder viver em sociedade.

Se carrego traumas disso? Não. Ao contrário. Agradeço por ter sido o único homem no meio de mulheres. Ter sido minoria me fez engolir leis ditadas pela maioria. Ditadas, mas não criadas. Não por aquela maioria compostas ali por uma mãe e duas irmãs mais velhas.

Hoje vejo que ter sido criado em um domínio de mulheres, que historicamente vivem dominadas em universo para os homens, me permitiu abrir a cabeça para compreender sua luta. Nunca entendi minhas irmãs dizendo que me invejavam porque eu podia tirar a camisa se sentisse calor e elas não. "Você aí, podendo ficar sem roupa e não querendo. Nós aqui, tendo que viver cobertas da cabeça aos pés!" Por que não, se eram elas quem mandavam no pedaço?! Que engano, não eram! Eram aquele grupo do qual eu havia sido o único dentro de casa em que teve a sorte e o privilégio do pertencer: homens.

Hoje percebo como é libertador não ter que usar maquiagens, fazer unhas, caminhar de salto alto, cuidar da casa, dos filhos, contentar-me com a enceradeira e a panela de pressão recebidas como presente de aniversário, e ainda estar sorridente e sempre à disposição do provedor da família. E me solidarizo com quem tem de engolir leis impostas pelo "macho dominante".

Agradeço por vivenciar tão de perto o universo feminino criado - quem diria?! - por homens e concedido, não tão gentilmente a elas. E agradeço por perceber que universo feminino e universo masculino são reflexo de um mesmo universo: o da estupidez.

Por tudo isso, deixo aqui registrado meu voto de Feliz Dia Internacional da Mulher. Para você que usa salto alto. Para você que é mãe. Para você que é delicadinha. Para você que é sapatão. Para você que é puta. Para você que pilota ônibus. Para você que pilota fogão. Para você que não suporta a ideia de ser mãe. Para você que não arruma casa. Para você que é transexual. Para você que é chamada de vagabunda por usar roupa curta. Para você que tem medo de sair à noite e ser violentada. Para você que, mesmo não saindo à noite, é violentada. Para você que apanha dentro de casa e é julgada pela sociedade por ser obrigada a viver com seu agressor. Para você que é chamada de vadia porque escolhe o homem ou a mulher que vai levar para sua cama. E para tantas, tantas outras categorias que aqui podem ser listadas. A cada uma de vocês, igualdade, justiça, direitos. A cada uma de vocês, felicidade.

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