sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Silêncio! É de lei.

“Ah, mas posso fazer o barulho que eu quiser até às 22 horas!”

Não, seu sem educação! Você não pode! Não invoque o Santo Nome da Lei do Silêncio em vão. E que lei é esta, sobre a qual todo mundo fala, mas ninguém sabe exatamente o que diz? Então, em nível nacional não existe – pelo menos, ainda não – uma lei tratando especificamente sobre o assunto. 

Mas, cada Estado tem sua autonomia e um Poder Legislativo que lhe permite criar leis também. E este é o caso da famosa Lei do Silêncio.

No Brasil, quem se aproximou disto foi o Decreto-Lei nº 3.688/1941, também conhecido como Lei de Contravenções Penais, aquela lei que trata de “pequenos delitos”, graves o bastante para serem puníveis, mas brandos o suficiente para não serem considerados crimes. E está lá, em seu artigo 42, a previsão que coíbe a perturbação do sossego alheio:
“Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios:
I – com gritaria ou algazarra; 
II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; 
III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda:Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.”
Como se pode perceber, a lei não é muito precisa em definir o nível tolerável de barulho e o que pode ser considerado ou não abusivo. Tampouco estabelece um horário dentro do qual seja permitido perder a linha em detrimento do sossego dos seus vizinhos.

Mas, de onde então se tirou essa ideia de que somente depois das 22 h é que se deve limitar o barulho? Provavelmente, da sua estupidez! OK, grosserias à parte, isso deve ser proveniente de alguma ou outra lei diferente, dependendo do Estado em que você more.

Falarei apenas da Lei Estadual nº 126/1977, em vigor em todo o Estado do Rio de Janeiro. Se você mora em outro estado, vale a pena fazer uma pesquisa no Google sobre a legislação daí.

A Lei Estadual nº 126/1977 proíbe a produção de ruído capaz de prejudicar a saúde, a segurança e o sossego públicos. E para não incorrer na mesma imprecisão da Lei de Contravenções Penais, enumera, em seu artigo 2º, quais são os ruídos considerados prejudiciais:
“Art. 2º – Para os efeitos desta Lei, consideram-se prejudiciais à saúde, à segurança ou ao sossego público quaisquer ruídos que:
I – atinjam, no ambiente exterior ao recinto em que têm origem, nível sonoro superior a 85 (oitenta e cinco) decibéis, medidos na curva C do “Medidor de Intensidade de Som”, de acordo com o método MB-268, prescrito pela Associação Brasileira de Normas Técnicas; 
II – alcancem, no interior do recinto em que têm origem, níveis de sons superiores aos considerados normais pela Associação Brasileira de Normas Técnicas;
E aqui, acho importantíssimo atentar para o inciso I, que estabelece um critério bastante objetivo para se determinar se o ruído deve ou não ser proibido: o limite de 85 decibéis em ambiente externo àquele de onde o som se origina. Este sempre será meu principal critério para eu saber se poderei chamar a polícia ou não! Com um decibelímetro (que hoje em dia se consegue facilmente através de aplicativos em smartphones) em mãos, farei a medida dentro da minha casa para saber se o som do meu vizinho, fora de sua casa (local onde se origina), se encontra acima do limite. Independentemente do horário.

Vale ainda mencionar o rol previsto no artigo 3º, que estabelece modalidade específicas de ruídos, que estarão sempre proibidos:
"Art. 3º- São expressamente proibidos os ruídos:
I - produzidos por veículos com o equipamento de descarga aberto ou silencioso adulterado ou defeituoso;
II - Produzidos por aparelhos ou instrumentos de qualquer natureza utilizados em pregões, anúncios ou propaganda na via pública ou para ela dirigidos, desde que ultrapasse o nível sonoro superior a 85 (oitenta e cinco) decibéis. 
III - produzidos por buzinas, ou por pregões, anúncios ou propaganda, à viva voz, na via pública, em local considerado pela autoridade competente como “zona de silêncio”; 
IV - produzidos em edifícios de apartamentos, vila e conjuntos residenciais ou comerciais, em geral por animais, instrumentos musicais ou aparelhos receptores de rádio ou televisão ou reprodutores de sons, tais como vitrolas, gravadores e similares, ou ainda de viva voz, de modo a incomodar a vizinhança, provocando o desassossego, a intranquilidade ou desconforto;
V - provenientes de instalações mecânicas, bandas ou conjuntos musicais e de aparelhos ou instrumentos produtores ou amplificadores de som ou ruído, tais como radiolas, vitrolas, trompas, fanfarras, apitos, tímpanos, campainhas, matracas, sereias, alto-falantes, quando produzidos na via pública ou quando nela sejam ouvidos de forma incômoda;
VI - provocados por bombas, morteiros, foguetes, rojões, fogos de estampido e similares; 
VII - provocados por ensaio ou exibição de escolas-de-samba ou quaisquer outras entidades similares, no período de 0 hora às 7 horas, salvo aos domingos, nos dias feriados e nos 30 (trinta) dias que antecedem o tríduo carnavalesco, quando o horário será livre.
VIII - produzidos em Casas Noturnas, acima de 55 decibéis, a partir das 22 horas.”
Vejamos que este rol se encontra no título das proibições, que, exceto a previsões dos incisos VII e VII, não especifica horários de permissão, do que se pode deduzir que os ruídos acima especificados são simplesmente proibidos, justamente por serem considerados prejudiciais à saúde, ao sossego e à segurança.

Então, ao contrário do que se afirma comumente, de que qualquer ruído será permitido, desde que seja praticado antes das 22 h, o que se tem é a proibição expressa de barulhos acima de 85 dB em ambiente externo ou barulhos acima do considerado normal pela ABNT, dentro do ambiente em que se origina. E isto, a qualquer horário!

Vale aqui mencionar que a “lenda urbana” das 22 h tem sua razão de existir, com base no inciso VIII do artigo 3º e com base em alguns incisos do artigo 4º, que trata justamente das permissões. No entanto, ao contrário do que diz o senso comum, não são quaisquer sons que se permitem antes das 22 h. Na verdade, a lista tem uma natureza mais restritiva que concessiva, uma vez que, contrario sensu, deixa subentendido que os ruídos ali presentes são permitidos apenas no intervalo de tempo entre 7h e 22h. Vejamos:
“Art. 4º - São permitidos - observado o disposto no art. 2º desta Lei - os ruídos que provenham:
I - de sinos de igrejas ou templos e, bem assim, de instrumentos litúrgicos utilizados no exercício de culto ou cerimônia religiosa, celebrados no recinto das respectivas sedes das associações religiosas, no período das 7 às 22 horas, exceto aos sábados e na véspera dos dias feriados e de datas religiosas de expressão popular, quando então será livre o horário; 
II - de bandas-de-música nas praças e nos jardins públicos o em desfiles oficiais ou religiosos;
III - de sirenas ou aparelhos semelhantes usados para assinalar o início e o fim da jornada de trabalho, desde que funcionem apenas nas zonas apropriadas, como tais reconhecidas pela autoridade competente e pelo tempo estritamente necessário;
IV - de sirenas ou aparelhos semelhantes, quando usados por batedores oficiais ou em ambulâncias ou veículos de serviço urgente, ou quando empregados para alarme e advertência, limitado o uso ao mínimo necessário;
V - de alto-falantes em praças públicas ou em outros locais permitidos pelas autoridades, durante o tríduo carnavalesco e nos 15 (quinze) dias que o antecedem, desde que destinados exclusivamente a divulgar músicas carnavalescas, sem propaganda comercial;
VI - de explosivos empregados em pedreiras, rochas e demolições, no período das 7 às 12 horas;
VII - de máquinas e equipamentos utilizados em construções, demolições e obras em geral, no período compreendido entre 7 e 22 horas;
Parágrafo único – As serras dos tipos adotadas em construção de edificações, situadas em regiões urbanas, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, só poderão operar em recintos devidamente protegidos contra ruídos.
VIII - de máquinas e equipamentos necessários à preparação ou conservação de logradouros públicos, no período de 7 às 22 horas;
IX - de alto-falantes utilizados para propaganda eleitoral durante a época própria, determinada pela Justiça Eleitoral, e no período compreendido entre 7 e 22 horas.
Parágrafo único - A limitação a que se referem os itens VI, VII e VIII deste artigo não se aplica quando a obra for executada em zona não residencial ou em logradouro público, nos quais o movimento intenso de veículos e ou pedestres, durante o dia, recomende a sua realização à noite.”
Sendo assim, se você se encontra na condição vizinho mal-educado e barulhento, não se garanta no fato de estar perturbando sua vizinhança antes das 22 h. Você pode ser enquadrado nas penalidades previstas na lei, inclusive na de Contravenções Penais. E se você se encontra na condição de vítima desse tipo de gente – o que é o meu caso – não hesite antes de chamar a polícia. Se alguém se recusar a atender você, sob o falso fundamento de que ainda não são 22 h, você já tem informação suficiente para rebater.

Nunca é demais lembrar que o direito de um termina quando o do outro começa.

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