quarta-feira, 8 de abril de 2015

Memórias e paredes nuas

(originalmente publicado em meu perfil no Facebook, em 03 de maio de 2014.)
 
Hoje saí para pintar paredes em Nova Iguaçu. Não terminei e amanhã estarei de volta. Ainda estou aqui. Uma bebida que deixei para trás agora me faz companhia nesta hora em que, pronto para sair, interrompo minha movimentação para escrever estas palavras tortas, talvez atabalhoadas.
 
Quando cheguei, D. Marina, minha vizinha, ex-vizinha, não sei, recebeu-me efusivamente, com a mesma simpatia de sempre. A despeito disto, achei estranho não ter que me preocupar em me esgueirar sorrateiramente pelo portão, com receio dos meus cachorros escaparem para a rua: estão todos lá na Piedade, lugar que agora chamo minha casa.
 
Aqui, a casa estava vazia e tentei não me preocupar em pensar nisto. A tarde corria apressada e eu queria adiantar meu serviço de pintura para deixar o mínimo para amanhã. Fiz parte da tarefa e parei para tomar banho. No banheiro, um sabonete não deliberadamente largado me serviu e provavelmente me servirá amanhã. Foi nesta hora que me veio a intenção de escrever sobre as sensações que um simples banho me trouxe.
 
O sabonete ficara de sobejo no dia da mudança. Toalhas não. Enquanto esperava secar meu corpo naturalmente, depois de um banho, pus-me a lembrar que noutros dias haveria música. Sempre há música quando tomo banho. No entanto, não havia música, não havia latidos de cães, não havia quarto para escolher uma muda de roupas. Devia me resignar com a muda que trouxera.
 
Andei para onde deixei minha mochila, outrora a cozinha, e qual não foi a estranhíssima sensação de percorrer aquele corredor estreito e, ao final, olhar à esquerda e não ver a mesa posta para o café e a geladeira nem sempre muito farta, mas ainda assim tão familiar. Havia ali apenas o eco. Havia. Não balbuciei qualquer som para me certificar se ainda há. As paredes estão nuas - algumas agora pintadas.
 
Sobre a pia, uma garrafa de um destilado vagabundo que decidi não deixar para trás agora. Tomei uns goles cheios diretamente no gargalo e guardei a garrafa em minha mochila.

Estou pronto para sair. Queria apenas escrever sobre tudo isto, sem ao menos saber como terminar.

Agora, estou saindo. Triste? Não. Nem um pouco. Pelo contrário, estou feliz na Piedade. Aquela casa que, lentamente vai se transformando em meu lar será amanhã o mesmo objeto de reflexões em que se transformou esta casa iguaçuana. Que posso eu fazer se sempre fui um nostálgico?

Uma barata caminha lentamente no corredor do quintal. Talvez agora ela tenha paz, com o Ataulfo distante. Baratas da Piedade, tremei!

Preciso apagar as luzes de casa e voltar para casa. É perturbadora esta dicotomia de quem tem dois lares. Enfim, o álcool começa a fazer efeito, as palavras me escapam sem muito critério e o ponto final - ah, difícil ponto final - não encontra bem onde repousar.

Sem mais, dou um até breve. Amanhã estarei aqui outra vez. Apago a luz, tranco a porta e saio. Vou encontrar meus cachorros em novo portão onde desta vez entrarei me esgueirando.

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