segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Quem não comeu não come mais. Mas, quem deu é vagabunda.

Tenho visto circular no Facebook uma notícia sobre uma noiva que recebeu o pedido de divórcio no mesmo dia em que havia casado. O motivo teria sido uma camisa usada pela recém-esposa numa despedida de solteira, com a frase "Quem comeu comeu, quem não comeu não come mais". O noivo teria ficado irritado com a gracinha e decidiu se separar.

Se a notícia é verdadeira ou falsa, não consegui averiguar. Acho que é mentira, mas neste caso, não faz diferença. Não é este o cerne da questão que trago ao debate. O que me deixou mesmo impressionado foi a quantidade de comentários oriundos do Tribunal Facebookiano da Moral e dos Bons Costumes, criticando a atitude da noiva. "Bem feito! Mulher vagabunda se trata assim!", "Que mulher idiota, perdeu o noivo, agora vai ter que arranjar quem coma de novo", "Otária, se fudeu" (sic). E o mais surpreendente: muitos comentários deste nível provenientes de outras mulheres.

Por mais habituado que esteja com o pior do ser humano, ainda continuo me estarrecendo com o nível de imbecilidade existente nas redes sociais e fora delas. Então uma mulher que se dispõe, em tom jocoso, a assumir uma suposta vida sexual ativa preexistente ao noivado ("quem comeu comeu") - frise-se, à qual pretende dar fim após o compromisso ("quem não comeu, não come mais") - pode ser taxada de vagabunda por isto?

Já acho pouco compreensível que um noivo sem senso de humor tenha se sentido humilhado, afrontado, desonrado pela vida pregressa da esposa e tenha decidido pôr fim ao enlace. Qualquer homem com um resquício de normalidade se sentiria, no mínimo, honrado pelo fato de uma pessoa, por sua causa, estar disposta a abrir mão de uma vida pelo menos mais agitada em nome de um relacionamento monogâmico. Não entrarei no mérito da suposta diversidade de experiências sexuais que a mulher estaria deixando para trás e na quantidade de diversão que ela estaria largando por causa desse homem.

Mas, pior que isto, causa-me mesmo espanto - e um tanto assim de ira! - que homens e mulheres alheios à relação do efêmero casal não pensem duas vezes antes de apontarem o Dedo da Justiça Inexorável na cara de uma mulher que apenas teria admitido que viveu o que muitos outros viveram e vivem em suas vidas de solteiros (um minuto de silêncio para quem não aproveita bem sua solteirice). Mulher vagabunda? Vagabunda?! Por ter feito uso do seu corpo para seu próprio prazer? Por ter admitido que o fez e que estaria pronta para deixar de lado esta vida em prol de seu casamento?

Que vivemos numa sociedade machista, não é novidade. Não que seja aceitável, mas ao menos é lógico e coerente que, nos moldes de uma sociedade machista como a nossa, homens se manifestem em defesa da "honra do ofendido", em detrimento da autonomia da mulher "ofensora", cujo delito teria sido apenas a busca pelo prazer sexual. Mas, ver que outras mulheres compartilham o mesmo pensamento, taxando-a de "puta", "piranha" e outros nomes derivados de sua conduta sexual é, mais que irritante, triste. Triste por nos fazer constatar o quão mal condicionadas foram estas mulheres que, sequer reconhecendo expressamente uma inexistente supremacia masculina, decidem pela inferioridade da condição feminina. Em vez de aplaudirem a atitude desta noiva, julgam-na como merecedora do suposto castigo que o noivo lhe infligiu ao pedir o divórcio no mesmo dia do casamento.

Fica apenas uma pergunta: se os papeis se invertessem e, em vez da esposa fosse o marido utilizando uma camisa com a frase "quem me deu deu, quem não me deu, não me dá mais", qual seria a repercussão desta história?

Que esta recém-divorciada seja muito feliz em sua vida sem a presença deste homem antiquado. Que o divórcio seja a abertura de um portal para uma vida mais libertadora. E para as outras, essas que a julgaram uma vagabunda: que suas vidinhas continuem medíocres como são, sem suas experimentações em busca do prazer que seus corpos podem lhes dar.

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