quarta-feira, 3 de julho de 2013

O Gado de Todas as Estações

O que mais irrita não é o metrô ficar dez minutos parado em cada estação, atrasando a viagem. Mais que isto, o que realmente é insuportável é ouvir as reses estalando a língua nos dentes, numa crescente sinfonia de "tsc-tsc", em sinal de exasperação, sem, no entanto, moverem um dedo sequer para saírem da sua condição de gado.

É tão grande e estarrecedora a apatia dessa gente que começo a me questionar, em devaneios fantásticos, qual seria sua reação se, em vez de ar refrigerado, saísse pelos dutos gás tóxico. Tenho a sensação assustadora de que todos veriam uns aos outros tossindo, asfixiando-se, caindo ao seu lado, agonizando, mas, em vez de tomarem uma atitude, continuariam internamente amaldiçoando o sistema, enquanto suas línguas e dentes entoariam uma ladainha de "tsc-tsc", até que todos morressem sem oxigênio.

O que mais me entristece é pensar que esse gado não integra aquele milhão de pessoas irresignadas que foi para as ruas protestar. Ao contrário, essa massa faz parte do restante, os outros cento e sessenta milhões de eleitores despolitizados que, preocupados demais com o horário de cada partida e cada chegada, com o lugar mais próximo à porta, com a rasteira que vão passar na pessoa ao lado para garantirem uma poltrona, vendem seu voto a qualquer um que lhes assegure um botijão de gás, mantendo o Estado da mesma forma de sempre. Mantendo, inclusive a eterna sinfonia de línguas e dentes: tsc, tsc, tsc, tsc...

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