segunda-feira, 17 de junho de 2013

Porque todo poder emana do povo...

Pouco depois dos 20 anos de idade, eu surtei. Durante uma dificílima quebra de paradigmas pessoais, olhei para minha curta vida pregressa e percebi que não havia muito dela de que me lembrar. Era uma estranha sensação de tempo desperdiçado. Um vazio pretérito que seria impossível preencher. Uma etapa que jamais retornaria. Aquilo tudo me caiu como uma paulada na cabeça e entrei em parafuso. Decidi que correria atrás do tempo perdido e, ainda que fosse incapaz de retornar à infância e à adolescência, eu ainda gozava da minha juventude e faria dela algo de que pudesse me orgulhar.

Espectador distante da História que os livros contam, sempre vi com olhos invejosos as manifestações populares que fizeram no mundo e construíram o mundo. Imaginava os franceses do século XVIII, cansados da opressão do Antigo Regime, que se uniram e tomaram a Bastilha, iniciando uma era revoltosa que mudaria a história da França. Invejava os alemães que, no final dos anos 80, derrubaram o Muro de Berlim, unificando as Alemanhas.

No Brasil – impedido de estar ao lado por questões temporais – admirava de longe os guerrilheiros que, para desafiarem a Ditadura, cheios de coragem, arriscavam-se às mais humilhantes privações de direitos e às mais dolorosas torturas, abrindo mão da liberdade e mesmo da vida. A união entre as pessoas me parecia algo pelo qual valia a pena viver e morrer.

Aos 12 anos de idade, do interior da Bahia vi com olhos curiosos e pouco esclarecidos o Brasil inteiro reunido no movimento que se intitulou “Cara Pintada” para depor o então Presidente da República Fernando Collor de Mello. Em minha cabeça de quem compreendia pouco – ou quase nada – o cenário político nacional, soava um tanto surpreendente como aquelas pessoas, cidadão comuns, jovens, estudantes, conseguiram, com a força de sua união, derrubarem a autoridade máxima do governo, o Presidente da República!

Sem entender de onde vinha aquele poder, apenas achei tudo aquilo lindo. Lindo e emocionante!

Quando entrei em minha crise identidade, eu já compreendia o significado do termo juspolítico “representatividade”, e percebia que aquele poder que derrubara o Presidente Collor não era algo sobrenatural. Ao contrário, era o Poder em seu estado mais natural possível, nas mãos de quem realmente deveria mantê-lo: o Povo. Aquilo era Democracia e eu entendia perfeitamente porque toda aquela movimentação dos idos de 1992 me emocionou daquela forma.

E tudo isto apenas contribuiu para me dar uma certeza: minha vida era uma folha em branco. E passei a invejar aqueles jovens da França Absolutista, do Brasil Militar e os Caras Pintadas!

Por mais dez anos, segui minha vidinha mediana, cada vez mais angustiado com os rumos políticos em que nosso país veio caminhando.

Cada vez mais indignado com as acomodações de um povo passivo, que a mim parecia ter apagado do seu passado glorioso toda essa coragem de outrora. Vi a moeda ganhar força e se desvalorizar. Vi professores, policiais e bombeiros mal remunerados, abaixando a cabeça para desmandos governamentais. Vi nossos “representantes” no Congresso ganhando, roubando, corrompendo, lucrando, usurpando, enquanto cada vez mais cidadãos comuns padeciam com baixa renda, desemprego, descaso e violência. Vi filas em hospitais e gente morrendo por falta de atendimento. Vi crianças sem escola e mães sem comida. Vi o transporte público se tornar dia a dia mais insuportável, ônibus, trens e metrôs se transformando em armas, assassinando pessoas a caminho do trabalho. Gente comum. Como eu, como o padeiro, como minha vizinha. Gente que não pode fazer muito para mudar a realidade posta por quem de fato mantém o poder, o Governo. Gente igualzinha àqueles que peitaram os militares nos Anos de Chumbo, gente igualzinha àqueles que asseguraram o impeachment do Collor. Gente que dormia...

Hoje, o Brasil vivencia um momento de turbulência. E os tremores, ao que parece, acabaram acordando o gigante adormecido. E com arrepios na espinha e pupilas dilatadas, pude testemunhar a formação de uma grande e bela manifestação popular. O Povo novamente indo às ruas, gritando palavras de ordem, cansado de ser feito de gado, resgatando o sentimento de civilidade e demonstrando que não é nenhum disparate as pessoas comuns mudarem a realidade impostas por aqueles que as governam. Porque hoje entendi que governar não significar mandar, mas, obedecer!

E agora, diante disto tudo, passada minha crise existencial dos 20 anos, aos 30 posso fazer diferente. Não sou mais um moleque de 12 anos perdido em uma cidadezinha no interior da Bahia. Estou no olho do furacão e sei que tenho que fazer minha parte. Ainda que sozinho, eu não possa mudar o mundo. A hora é esta.

Quero, daqui a alguns anos, olhar para este momento histórico e não mais ver que tudo passou e eu estive de longe observando. Quero lembrar que fiz parte disto. E estou seguindo meu caminho, rumo às manifestações, rumo a um sonho: o de ver finalmente, a palavra Democracia fazer algum sentido.

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