Espectador distante da História que os livros contam, sempre
vi com olhos invejosos as manifestações populares que fizeram no mundo e
construíram o mundo. Imaginava os franceses do século XVIII, cansados da
opressão do Antigo Regime, que se uniram e tomaram a Bastilha, iniciando uma
era revoltosa que mudaria a história da França. Invejava os alemães que, no
final dos anos 80, derrubaram o Muro de Berlim, unificando as Alemanhas.
No Brasil – impedido de estar ao lado por questões temporais
– admirava de longe os guerrilheiros que, para desafiarem a Ditadura, cheios de
coragem, arriscavam-se às mais humilhantes privações de direitos e às mais dolorosas
torturas, abrindo mão da liberdade e mesmo da vida. A união entre as pessoas me
parecia algo pelo qual valia a pena viver e morrer.
Aos 12 anos de idade, do interior da Bahia vi com olhos
curiosos e pouco esclarecidos o Brasil inteiro reunido no movimento que se
intitulou “Cara Pintada” para depor o então Presidente da República Fernando
Collor de Mello. Em minha cabeça de quem compreendia pouco – ou quase nada – o cenário
político nacional, soava um tanto surpreendente como aquelas pessoas, cidadão
comuns, jovens, estudantes, conseguiram, com a força de sua união, derrubarem a
autoridade máxima do governo, o Presidente da República!
Sem entender de onde vinha aquele poder, apenas achei tudo
aquilo lindo. Lindo e emocionante!
Quando entrei em minha crise identidade, eu já compreendia o
significado do termo juspolítico “representatividade”, e percebia que aquele
poder que derrubara o Presidente Collor não era algo sobrenatural. Ao
contrário, era o Poder em seu estado mais natural possível, nas mãos de quem
realmente deveria mantê-lo: o Povo. Aquilo era Democracia e eu entendia perfeitamente
porque toda aquela movimentação dos idos de 1992 me emocionou daquela forma.
E tudo isto apenas contribuiu para me dar uma certeza: minha
vida era uma folha em branco. E passei a invejar aqueles jovens da França
Absolutista, do Brasil Militar e os Caras Pintadas!
Por mais dez anos, segui minha vidinha mediana, cada vez
mais angustiado com os rumos políticos em que nosso país veio caminhando.
Cada vez mais indignado com as acomodações de um povo
passivo, que a mim parecia ter apagado do seu passado glorioso toda essa coragem
de outrora. Vi a moeda ganhar força e se desvalorizar. Vi professores,
policiais e bombeiros mal remunerados, abaixando a cabeça para desmandos
governamentais. Vi nossos “representantes” no Congresso ganhando, roubando,
corrompendo, lucrando, usurpando, enquanto cada vez mais cidadãos comuns
padeciam com baixa renda, desemprego, descaso e violência. Vi filas em
hospitais e gente morrendo por falta de atendimento. Vi crianças sem escola e
mães sem comida. Vi o transporte público se tornar dia a dia mais insuportável,
ônibus, trens e metrôs se transformando em armas, assassinando pessoas a
caminho do trabalho. Gente comum. Como eu, como o padeiro, como minha vizinha. Gente
que não pode fazer muito para mudar a realidade posta por quem de fato mantém o
poder, o Governo. Gente igualzinha àqueles que peitaram os militares nos Anos
de Chumbo, gente igualzinha àqueles que asseguraram o impeachment do Collor. Gente
que dormia...
Hoje, o Brasil vivencia um momento de turbulência. E os
tremores, ao que parece, acabaram acordando o gigante adormecido. E com
arrepios na espinha e pupilas dilatadas, pude testemunhar a formação de uma
grande e bela manifestação popular. O Povo novamente indo às ruas, gritando
palavras de ordem, cansado de ser feito de gado, resgatando o sentimento de
civilidade e demonstrando que não é nenhum disparate as pessoas comuns mudarem
a realidade impostas por aqueles que as governam. Porque hoje entendi que
governar não significar mandar, mas, obedecer!
E agora, diante disto tudo, passada minha crise existencial
dos 20 anos, aos 30 posso fazer diferente. Não sou mais um moleque de 12 anos perdido
em uma cidadezinha no interior da Bahia. Estou no olho do furacão e sei que
tenho que fazer minha parte. Ainda que sozinho, eu não possa mudar o mundo. A
hora é esta.
Quero, daqui a alguns anos, olhar para este momento
histórico e não mais ver que tudo passou e eu estive de longe observando. Quero
lembrar que fiz parte disto. E estou seguindo meu caminho, rumo às
manifestações, rumo a um sonho: o de ver finalmente, a palavra Democracia fazer
algum sentido.
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