quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Ele não me fez falta.

Em diálogo com um amigo que vem valentemente enfrentando um Linfoma Não Hodgkin, e por cuja recuperação torço sinceramente, fui questionado se eu nunca me senti solitário durante todo o período em que venho enfrentando/enfrentei meu Carcinoma pelo fato de eu ser ateu e, consequentemente, não depositar a esperança da minha cura em um “ser superior” que estivesse velando por mim. Em resposta, disse-lhe que não. E uma série de pensamentos me ocorreu de forma atabalhoada, quase me impedindo de seguir adiante na conversa, em razão da dificuldade de transpô-los ordenadamente em palavras.
De fato, não me senti sozinho durante meu tratamento e nas ocasiões das cirurgias a que tive de me submeter. Em todos estes momentos, contei com uma equipe médica bem preparada, o que, por razões óbvias para mim, é o principal! Ademais, contei com o apoio de amigos e da família, o que me impediu de sucumbir quando o medo, a dor e a tristeza bateram algumas vezes a minha porta.
Não. Deus não fez a menor falta! Até mesmo porque, ad argumentandum tantum, partindo do pressuposto hipotético de que ele realmente exista e de que nada no Universo acontece sem sua intervenção onipotente, o fato de eu ter desenvolvido uma neoplasia maligna supostamente foi uma vontade divina, seja lá quais forem os motivos que ele tenha tido para desejar minha doença... Não adentrarei neste mérito. Prosseguindo, Deus não fez falta, basicamente por dois motivos: o primeiro é que se ele teve a presença de espírito (para não dizer “espírito de porco” ou “fogo no rabo”) de me colocar um câncer, não acredito que ele se importaria muito com meu sofrimento, tampouco estivesse preocupado em me curar; segundo, porque se ele me proporcionou algo tão ruim como a doença, sou rancoroso demais para querer alguém como ele por perto, a não ser que eu tivesse a oportunidade de quebrar sua cara com um soco.
Como uma coisa acarreta outra, uma outra ideia que me ocorreu durante minha conversa com meu amigo foi que não há um critério baseado na fé para assegurar quem vai ser curado e quem não vai. Crentes e ateus sofrem com doença. Crentes e ateus morrem de câncer. Crentes e ateus morrem em paz. Crentes e ateus morrem a custa de muita dor. Crentes e ateus se curam. Crentes e ateus têm recidiva... Enfim, se a doença tiver que sumir de dentro de você, sumirá, com ou sem a sua fé na salvação de sua alma. Se a doença tiver que te matar, matará, com ou sem a sua fé na salvação de sua alma.
Penso como deve ser triste àquelas pessoas que contaram com Deus para sua cura, mas acabaram morrendo! Como deve ser sido decepcionante aos que ficaram e carregam a certeza de que não puderam contar com ele, mesmo tendo pedido tanto. O fato é que eu me sentiria menos enganado se eu morresse sem ter depositado minha esperança em alguém que, supostamente poderia me curar e não curou!
Honestamente, para mim, vale mais contar com os médicos, mesmo sabendo que muitas vezes eles não conseguem nos salvar. Alivia pensar que eles fazem o possível! Vale mais contar com a família e os amigos. Ainda que eles não tenham o poder de nos curar, senti-me bem mais seguro em meio aos que me amam e que se esforçaram para reduzirem de alguma forma os incômodos que a doença trouxe. Estes sim tiveram importância crucial para me ajudarem a lidar com o câncer!
E Deus, quem é? É aquele que poderia me manter saudável, mas preferiu macular meu corpo com um tumor maligno? É aquele que poderia ter me tirado as dores que a radioterapia me causou, mas preferiu permanecer omisso, agravando-me os sintomas com as queimaduras na minha pele e as feridas na minha garganta? É aquele que poderia me tirar as náuseas e azias decorrentes da quimioterapia, mas preferiu pagar para ver o quanto eu vomitaria? É aquele que poderia manter intacto o meu paladar, mas preferiu extirpar de mim o meu maior prazer, que é o de comer? É... Ele não me fez a menor falta!

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