segunda-feira, 21 de novembro de 2011

"Que era fácil se perder por entre sonhos..."

Dias atrás um amigo me enviou um link do Youtube, com uma recomendação: “Dá uma olhadinha nesse moço”. Era um vídeo de um cantor, até então meu completo desconhecido. Tratava-se de um videoclip gravado ao vivo, nos estúdios da Trama, em que um rapaz cabeludo com uma voz aguda cantava uma letra áspera e cruel, que comparava o amor a uma droga que invarialmente conduzia o homem à destruição: “E fui gostando do sabor daquela coisa/Viciando em cada verso que o amor veio trovar/Mas, de repente, uma farpa meio intrusa/Veio cegar minha emoção de suspirar (...)”.

Assim, fui apresentado ao Filipe Catto e à sua angustiante composição “Saga”. A identificação foi instantânea e por um momento não acreditei que aquela voz tão perfeita, em um timbre tipicamente "feminino" fosse emitida por aquele moço de uma geração musical tão nova, pela qual me habituei a não ser surpreendido com a percepção de talentos que ultrapassassem a barreira do mediano. Eu queria conhecê-lo mais.

No dia 10 de novembro, o palco do Studio RJ, o mesmo do antigo Jazzmania, que apresentou ao Brasil a cantora e compositora Marisa Monte no final dos aos 80, trouxe Filipe Catto pela primeira vez ao Rio de Janeiro, no show de lançamento do seu álbum “Fôlego”, produzido pela gravadora Universal, após a divulgação pelos meios virtuais de um disco independente, “Saga”.

Aos desavisados de plantão, que porventura tentarem limitar a uma comparação despropositada o contratenor Filipe Catto ao eterno Ney Matogrosso, em virtude dos seus naipes vocais, eu diria que não tentem. A falsa identificação decorrente do fato de que ambos são homens com "voz de mulher" - uma definição um tanto imprecisa, frise-se - esgota-se nesta única coincidência.

Com uma postura bem próxima a um público bastante entusiástico, Filipe Catto cantou o amor. Não aquele amor que proporciona finais felizes a casais apaixonados, mas o amor destrutivo, que corrói, que desgasta, que conduz os amantes à sordidez humana quando perdem o equilíbrio e deixam de lado a dignidade racional, trocando-a pela conduta passional e desmedida. Filipe Catto cantou a mulher infiel, que se regozija de poder trair o seu esposo, cantou o homem bruto, que espanca imotivadamente sua companheira, cantou o homem abandonado, que, sem qualquer esperança, busca alento na bebida e se destrói pelo vício, cantou a mulher submissa, que espera em casa por seu homem, pacientemente, enquanto ele se diverte em um lupanar qualquer.

Mesclando o repertório do seu álbum “Fôlego”, como as belíssimas “Crime Passional”, “Roupa do Corpo”, “Gardênia Branca”, com clássicos da música brasileira, como uma ligeira citação ao “Canto de Ossanha”, o artista cantou de forma arrebatadora, possuído pela música, como se se tratasse de uma entidade transcendental, uma força externa capaz de colocá-lo em um estado de transe catártico, fazendo-o dançar, gesticular de forma incisiva, ajoelhar-se, fechar os olhos e rodopiar, sem no entanto parecer exagerado ou clichê. O que se via no palco era pura emoção, traduzida nos arranjos conduzidos pelos músicos Adriano, Ramon, Deco e Fabá, na voz impecável e na presença carismática do cantor, compositor e, sobretudo, intérprete, que estava perceptivelmente feliz por poder se apresentar nos palcos cariocas, “já que sempre viu o Rio de Janeiro desde criança nas novelas, tendo-o como algo distante e inatingível”.

Em minha modesta opinião de leigo, posso dizer que o show foi inversamente proporcional àquele palco tão pequeno no qual foi apresentado, tratando-se do maior show do ano de 2011 nos palcos cariocas. Compartilhei com o Filipe a felicidade de estar no Rio de Janeiro e poder testemunhar um espetáculo de tamanha carga emotiva.

Pouco antes de morrer, Elis Regina, uma das maiores intérpretes que este país já produziu, declarou em uma entrevista que a feijoada havia sido feita por ela, Milton Nascimento, Gal Costa, Tom Jobim, Gilberto Gil e João Gilberto, e que depois desta geração fazia-se muito pastel, mas feijão mesmo, nunca mais, dando a entender que, o que viesse depois da sua geração estaria relegado a um segundo plano, a uma qualidade inferior, à mediocridade pelo constante surgimento de talentos medianos ou duvidosos...

Concordando até então com a Pimentinha, vim me entristecendo ao longo dos últimos anos com os talentos incipientes que o mercado vinha nos impondo, acreditando que a música brasileira caminhava para sua derrocada. Mas, depois de ouvir inúmeras vezes o álbum “Fôlego”, além do seu precursor, o single “Saga”, e de testemunhar uma apresentação ao vivo do talentosíssimo Filipe Catto, eu saí feliz daquele show, com a certeza de que a música popular brasileira ainda está salva.

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