segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Hoje a noite tem cara de música velha

Hoje a noite tem cara de música velha. Daquelas que, quando éramos crianças, já eram velhas. E tarde da noite, sentávamos à beira do aparelho de som, sintonizado em uma rádio qualquer, e esperávamos ansiosos para gravarmos em um toca-fitas. Porque essas músicas velhas só tocam em rádio tarde da noite.

Nunca entendi porque música velha só toca tarde da noite... Deve ser porque, com aquele gosto de coisa antiga, a noite se torna menos sombria. É quando nos lembramos de que um dia fomos bem pequenos, e nossa maior preocupação era completar a coleção de figurinhas de chiclete antes do nosso melhor amigo. É quando pensamos na nossa mãe nos dando boa noite antes de fechar a porta do nosso quarto. É quando nos lembramos do nosso primeiro dia na escola...

Hoje a noite está quieta. Fria. Úmida. Um tilintar incessante de pingos grossos de chuva que caem de alguma telha quebrada sobre a escada de ferro vem do fundo do quintal e isso é bom. Aumenta a sensação de cara de música velha.

A noite range, como rangem as gravações antigas de um disco de vinil sujo e isso tem cara de música antiga. E é por ter esta cara de coisa velha, quase esquecida, empoeirada, mas que fica ali, presa nas nossas lembranças mais remotas, vindo vez ou outra à tona, que esta noite chuvosa, fria e áspera acaba se tornando terna.

Hoje a noite tem cara de música antiga. E o barulho da chuva que engrossa aumenta a saudade dos dias em que, quando lá longe, num inverno qualquer de uma infância que ficou para trás, sentávamos à mesa da cozinha, ansiosos pela caneca de chocolate quente para acompanhar um bom pão com manteiga.

Naquela época já a chuva causava algum tipo de emoção desconhecida. O vento que açoitava as janelas fazia barulhos assustadores. Por algum tipo de ironia, o medo passava logo quando quedas na rede elétrica banhavam a casa em escuridão porque logo arrumávamos um jeito de nos divertirmos, formando figuras nas paredes com a projeção de sombras criadas com a luz das velas acesas.

Hoje a noite tem cara de música velha. E é por tudo isso que estar sozinho nesta sala a esta hora não me faz mal. Escuto notas que vem de longe, que soaram em um outro tempo, tocaram num outro espaço e ecoaram em outros ouvidos que não os meus de agora... Naquele momento longínquo, faziam-me pensar num futuro incerto, que não se parecia com o dia de hoje.

Agora que aquele futuro é o presente que se descortina, as notas de outrora reverberam nestas paredes, conduzidas, sabe-se lá de onde. Mesclam-se ao tamborilar da chuva, que insiste em cair cada vez mais intensa, e trazem consigo o gosto do abraço quente, que sinto enquanto meus ouvidos captam a melodia da música antiga, cuja semelhança esta noite insiste em carregar.

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