domingo, 12 de setembro de 2010

Tudo que eu queria te dizer

Em 1992, a minissérie “As Noivas de Copacabana”, exibida na TV Globo trouxe-me um enorme impacto profissional, quando optei por seguir carreira de advogado, após ver os debates inflamados entre a promotora, interpretada por Marieta Severo e o advogado agressivo na pele de Milton Gonçalves, no Tribunal do Júri dos últimos capítulos. Além da carreira, esta minissérie apresentou-me também a atriz Ana Beatriz Nogueira, no papel da noiva sobrevivente Fátima. Não foi seu primeiro papel na TV, mas foi o primeiro para o qual eu atentei dos meus 12 anos de idade...
Dali para frente, comecei a admirar bastante suas atuações, como no papel da sem-terra Jacira, da novela “O Rei do Gado”, da filha bastarda Duda de “Anjo Mau”, da oportunista Ana Paula de “Celebridade”, da temível Frau Herta, de “Ciranda de Pedra” e da fútil Ilana, de “Caminho das Índias”, dentre outras.
Mas minha admiração pela atriz resumia-se ao que eu conhecia do seu trabalho televisivo, o qual, vale frisar, muitas vezes deixou de fazer jus ao seu talento, colocando-a sempre em papeis secundários. Nunca antes a tinha visto num tablado.
Estará em cartaz no Centro Cultural dos Correios, de quinta a domingo, até o dia 24 de outubro, o monólogo “Tudo que eu queria te dizer”, baseado no livro homônimo de Martha Medeiros, com direção de Victor Garcia Peralta, que também assinou o monólogo “Não Sou Feliz, Mas Tenho Marido”. Trata-se de uma colagem de seis textos epistolares, não sei ao certo se ficcionais ou verídicos, mas nenhum assinado por ‘Martha Medeiros’. As cartas, de inquestionável sensibilidade, emocionam o espectador, pelo simples fato de serem cartas, tão raras em épocas de World Wide Web, e-emails, scraps, e tweets... Trazem aquele gosto de saudade, de quando esperávamos, às vezes dias, para conseguirmos a resposta de perguntas tão simples como “tudo bom com você?”.
Passado o choque de nostalgia, as emoções capturam o espectador das mais diversas formas. Da audácia na carta da recalcada Andressa para Ester, a esposa de seu amante; da triste saudade na carta da viúva Clô para seu falecido esposo; da decisão tomada pela mulher sonhadora, disposta a seguir em busca do seu amor perfeito, ainda que para isso tenha que trocar a vida real pelo paralelismo das noites dormidas; da paixão revelada pela terapeuta a uma de suas pacientes; do pavor na carta endereçada à Eneida, após as revelações de uma cartomante e a inexorabilidade da morte; e ainda, da intolerância de uma paciente por todas as convenções sociais, explicitada para o conhecimento do seu analista. As cartas interpretadas no palco traduzem todo tipo de emoção, em certos momentos tirando-nos o riso e em outros, convidando-nos a refletir acerca da nossa própria crueldade e do vazio da vida, colocando um peso sobre nossos ombros.
Tudo isso numa composição cênica de máxima simplicidade, na qual atriz e ambiente se fundem através da predominância da cor negra no figurino e no cenário, apenas com um foco de luz incidindo sobre si, enquanto, emolduradas pela música composta por Gabriel Mesquita, alternam-se as vidas, os contextos e, sobretudo, as personagens, visivelmente diferenciadas umas das outras pelo virtuosismo interpretativo da Ana Beatriz, que deita e rola sobre os textos da Martha, revelando a grandiosidade do seu talento e a cumplicidade firmada entre ambas, reforçada através da leitura de uma carta desta para aquela no início da apresentação e, ao final, da resposta enviada pela atriz à escritora.
O único aspecto que entra em choque com a proposta da peça, de revelar “textos escritos”, é a presença, em determinados momentos, de elementos de tal forma gestuais e de oralidade, fazendo-nos questionar como alguém conseguiria “escrever”, transcrevê-los em cartas, o que, de maneira alguma, empobreceu ou comprometeu a beleza do espetáculo. Até mesmo porque, se, por um lado, nestes poucos momentos, faltou veracidade à idéia de que o ato estava narrado em um texto escrito, por outro, a presença de tais elementos não verbais demonstrou o quanto nossa mente é capaz de divagar e captar emoções, ainda que postas de forma estática, impressas em folhas de papel.
Um belíssimo espetáculo, mais do que recomendado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário