quinta-feira, 22 de abril de 2010

Solidão

(originalmente publicado em)
Itabuna, terça-feira, 29 de março de 2005

Não há mais Tchaikovsky... Em seu lugar, a voz pungente do Bob Dylan, entoando o seu "Mr. Tambourine Man", quase me transportando aos anos 60. Pelo menos também é um clássico. Não há mais um pequeno cálice de vinho branco... Em seu lugar, um copo de leite, adocicado, caindo no meu estômago, massageando-o suavemente. Pelo menos, também é branco. Não há mais a chuva na janela... Em seu lugar, apenas as ruas molhadas, e uma brisa suave, resfriando levemente o ar, deixando a atmosfera um pouco mais soturna que o habitual. Pelo menos, também é refrescante. Não há mais a ansiedade alegre da espera... Em seu lugar, uma sensação de vazio, seguida pela desilusão de ver o tempo passando, os minutos voando, levando consigo a certeza de que ainda não nos veremos hoje e de que continuarei sozinho em casa. É saudade. E saudade dói.
Hoje tive um dia bom. Cumpri minhas obrigações de bom dono de casa, lavei roupa, deixei meu lar um pouco mais limpo e agradável de se estar, fiz meus exercícios diários, numa tentativa irrefreável de buscar a nunca alcançada perfeição física, cuidei dos meus animais de estimação, que continuam sendo fieis, fazendo-me sempre companhia, dei um passeio, visitei amigos. Preparei um almoço como há tempos eu não fazia, e a melhor parte é que depois minha consciência não pesou junto com meu estômago, por eu ter ingerido milhares de calorias numa só garfada. Uma salada, alguns temperos. Rápido, prático, saboroso. Mas havia apenas um prato à mesa... Engraçado... Alguns dias isso parece irrelevante, mas em outros, isso dói muito. Faz falta um abraço, algumas horas com uma cabeça deitada no meu colo, ou com a minha deitada em outro. Toques suaves de mãos, de lábios, de corpos... Num dia nublado como hoje, seria bom este reencontro. Eu não teria ouvido tanto "Bohemian Rhapsody", é verdade, mas ouviria a minha própria voz. A sua voz. Mas você não pode vir. Não me zango com isso. De modo algum. Entendo perfeitamente a sua situação, e acho lindo todo este respeito e compreensão mútuos que existem. Sei que você não teve culpa por não poder vir. Irritado? Não, não estou. Decepcionado? Também não... Com o que eu estaria? Triste? Também acho que não... Pelo menos não muito. Um pouco, talvez. Solitário? Sim, muito! Eis como me sinto nessa noite. Só. Fiz planos para hoje. E mais uma vez, o que ficou dos meus planos? Bola para frente. Teremos outros tantos finais de semana... Egoísmo meu querer tudo para hoje!
Bob Dylan silenciou, agora apenas percebo os sons domésticos vindos da vizinhança com o silêncio reinando na minha casa. O leite acabou, agora só a sede deixada pelo doce na boca. A chuva recomeçou, fraca ainda, mas anunciando que teremos uma noite tranqüila, amena, com um pouco de umidade atmosférica.
Mas será mais uma noite na qual dormirei sozinho...
Carpe diem.

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