sexta-feira, 23 de abril de 2010

Patos

(originalmente publicado em)
Rio de Janeiro, domingo, 8 de abril de 2007

Quando nasci puseram as mãos sobe minha cabeça e disseram que eu deveria me sentir grato apenas por existir, e disseram que a minha existência era um fardo, e mais do que por existir, eu deveria ser grato por terem permitido que eu existisse. E assim fui crescendo, qual um filhote de cisne dentre tantos patos, sentindo a necessidade de provar que eu era um deles. Com a auto-estima no chão, eu precisava mostrar e sentir que eu não era um lixo! Então, inconsciente e inevitavelmente comecei a jogar sobre os meus próprios ombros cada bloco que soma peso ao mundo. Eu precisava daquilo! Eu precisava... E com o mundo nas costas, ainda me fizeram crer que não era o suficiente. Não foram poucas as vezes em que a culpa somava-se à baixa auto-estima, e a vontade de atirar tudo para o alto batia de frente com a necessidade de segurar cada vez mais apertado ao meu corpo todas as dores do universo.
Assim os anos foram passando e todo instante era dedicado a mostrar a eles que eu era capaz. Mas quando eles saíam e eu me via sozinho, tentava enxergar a minha própria capacidade. E as tentativas eram em vão. E eu sempre me via sozinho! E eu sempre duvidei de mim mesmo. Eles haviam conseguido... Os patos! Malditos patos que colocaram tantos espelhos em cada canto da minha sala, apenas para que eu recordasse a todo instante que era um fiasco! Não dava para fugir... Apenas o mundo nos meus ombros se tornava mais e mais pesado. E eu comecei a gostar disso, afinal, eu precisava pagar o preço por terem me permitido existir! E isso me fez cego...
Foi preciso que vida me colocasse de frente a um cisne para que eu o admirasse em toda a sua majestade! Sentisse ainda mais minha própria insignificância. Eu me via ainda mais rebaixado e amaldiçoei aquele encontro... Amaldiçoei o criador daquela ave esplêndida, que, pelo simples fato de existir, afrontava-me, avisando-me que eu era nada!
Eu estava cego! E quando me disseram que eu poderia ir além de onde eu havia alcançado - não tão longe - eu duvidei. E duvidei quando tentaram me revelar que já havia ido além. Para mim era pouco! O mundo nos meus ombros não era pesado o suficiente! Eu precisava ir mais longe! Como ir além, se eu estava cego? Como enxergar o caminho?
Então disseram que eu não era um pato! Disseram que dentre os cisnes, eu ainda estava além! E eu duvidei!
E até hoje ainda não sei como isso aconteceu. Não sei exatamente em que momento da minha vida, eu me conscientizei de que estava cego. Talvez ainda esteja! E como todos aqueles que foram privados de sentir suas vistas ofuscadas pela luminosidade, eu aprendi a enxergar pelos olhos dos outros! Foi surreal, assustador. Obriguei-me a olhar por outros olhos, para poder perceber aquilo que esconderam de mim a vida inteira: um cisne dentre patos! Um patinho feio e triste, que fora treinado para duvidar e crer sempre. Duvidar de si, e crer no dogma de que a vida é uma bênção! Qualquer tipo de vida. Obrigado, e perdão por terem me deixado existir...
Mas quando todos os olhos viam um cisne onde os meus próprios não viam sequer um pato, acreditei pela primeira vez que eu poderia estar errado... Então fui salvo!
Hoje não enxergo nada além do que enxerguei durante a minha vida inteira. Entretanto, aprendi! Nossos sentidos podem ser cruéis, e nos fazerem passar a vida inteira olhando sombras projetadas nas paredes da Caverna. Aprendi que somos idiotas ao acreditarmos sempre que nossa visão de mundo é a certa! E que, assim como podemos ver o mundo de forma turva, podemos ver a nós mesmos da mesma maneira! Aprendi que não precisamos carregar o Universo nas costas para superarmos nossas próprias fraquezas! E, sobretudo, aprendi que nunca precisamos provar nada a ninguém! Somos quem somos, e o que somos! E muitas vezes precisamos aprender a crer nos olhos alheios para que possamos acreditar na verdade que é a necessidade de deixarmos nossos ombros livres! O mundo já está suspenso por si mesmo!

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