quinta-feira, 22 de abril de 2010

Efêmero

(originalmente publicado em)
Itabuna, segunda-feira, 19 de abril de 2004

Olá,

Um dia eu tive depressão. Era 1994. Eu tinha apenas 14 anos, e vivia triste. Todos os dias se afiguravam a mim com formas indefinidas. Eu vivia na neblina. Cada manhã me parecia eterna. Cada dia parecia um fardo insuportável que eu teria que carregar. Eu era muito inocente. E chorava. Muito. Tudo era incerto, tudo era nebuloso. A única coisa concreta era o meu rosto molhado daquelas gotas salgadas que insistiam em brotar. Eu era ingênuo demais. Sofria porque achava que minha dor duraria para sempre. Porque minha tristeza seria eterna... Eu era inocente! Achava que alguma coisa duraria para sempre.
Hoje eu choro. Não mais por ser inocente a ponto de acreditar que alguma coisa pode se prolongar ao infinito. Choro por ter perdido a inocência. Choro porque sei que nada é para sempre. Tudo passa! Tudo é efêmero. Nem mesmo a minha tristeza dura para sempre. Nem mesmo ela pode me fazer companhia sempre.
Um dia eu fui feliz. Muito! Eu tinha 22 ou 23 anos. E também chorava. Chorava porque tudo era incerto, tudo era nebuloso. A única coisa concreta era a minha felicidade incondicional de um momento... Que iria passar! Eu chorava porque sabia disso.
Era 10 de dezembro de 1994. Eu levantei da cama sabendo que não veria o sol se por naquele dia. Eu já havia ensaiado tudo. Aliás, eu passara aquele ano todo ensaiando. Não seria muito difícil. Bastava ser corajoso (ou covarde). Engoli 60 comprimidos e saí para fazer uma prova final de Química. Eu gostava de Química. Mas havia perdido na matéria. Não havia problema. Depois daquele dia eu nunca mais precisaria estudar mesmo!
Era o ano passado. Eu olhava o quarto ao meu redor. Tudo era muito perfeito. Eu sorria. Sabia que alguém não tardaria em chegar do colégio. Nós nos beijaríamos e ficaríamos abraçados. Eu sentia isso. Mas ainda estava sozinho no quarto. E pensava que em um dia distante dali eu voltaria a ficar sozinho. Ninguém voltaria mais para casa, para me abraçar, para me confortar... Eu era agora uma ilha vaga. De súbito, meus olhos se enchiam de lágrimas, eu me sentava no chão, ligava o som, e deixava o Renato Russo me embalar com sua voz lacrimosa, implorando para que não escondêssemos a tristeza dele. Ele se revoltava porque todos se afastavam quando tudo estava errado, quando tudo o que tínhamos era um catálogo de erros, e quando precisávamos de carinho, força e cuidado... Eu soluçava copiosamente. E pensava no que o meu amor estaria estudando...
Eu não estudaria nunca mais! Não havia estudado mesmo na semana anterior, pois tinha certeza de que pouco importava qual seria o resultado daquela prova... Eu não estaria lá para ver. Comecei a enjoar. Ânsia de vômito. Entreguei minha prova e saí da escola. Fui para casa. Engraçado... Que casa? Eu teria uma casa dali a cinco minutos? Não, eu não teria... Tudo era escuro. Escuro como minha mente. Estava acabando. Eu voltaria a ser livre. Eu vomitava e tudo escurecia.
A porta se abria devagar, como se estivesse com medo do que o escuro do quarto escondia. Lá dentro estava eu, encolhido num canto. A única coisa que me unia àquele garoto idiota de 1994 eram os mesmos olhos molhados. Mas ali, naquele canto escuro do quarto onde eu era tão feliz e infeliz, havia alguém me confortando, segurando minhas mãos e me pedindo para levantar. Era um lamento ainda mais triste que o meu. "Por favor, diga-me o que está acontecendo. Não chora!" Não era nada... Nunca era nada. Agora eu era de novo feliz, agora eu estava em seus braços novamente, protegido. Não iria mais cair.
Mas caí! Tentei me apoiar em um muro, numa rua deserta às 8:30 ou 9:00 da manhã. Tudo se apagou, e eu não sei como, mas cheguei em casa, completamente narcotizado. Levaram-me ao hospital, não vi, mas sei que estive lá. De fato, eu não vi o ocaso daquele dia, mas acordei no dia seguinte. Vivo. Eu não morri. Tudo era mesmo incerto. Eu teria novamente uma chance de reconstruir minha vida. Com o tempo essa idéia fixa de suicídio se apagou da minha mente. Algumas vezes voltava como um fantasma rondando, à espreita, apenas aguardando a hora de atacar.
Ontem eu conversei com o Lestat, e ele me falou que estava contente, porque nunca mais me vira chorar. Eu nunca mais havia agido como uma criança indefesa, em prantos, seja pela depressão, seja pela felicidade fugaz. Conversamos muito, e eu estava mesmo feliz! Hoje foi um dia estranho, eu estava feliz de novo. Ri no trabalho, o dia passou rápido, como acontece com os dias felizes. Não sei porque. Eu ria, mas também chorava. Chorava por dentro. Não agüento de tanto contentamento com a possibilidade de mudar deste apartamento, para uma casinha maior, para um bairro melhor, para vizinhos melhores. E na minha alegria, eu ainda ouvi, durante o dia inteiro, um suspiro. Lento. Melancólico. Um suspiro de quem estava escondido, respirando devagar para não ser encontrado. Alguém que um dia saiu para mergulhar, e afundou no lago escuro que nunca mais o deixou escapar. Alguém em batalha consigo mesmo. Senti-me estranho durante todo o dia. O céu nublado e o ar totalmente parado completavam o cenário sinistro que estava construindo para mim mesmo. Pensei em atitudes remotas, e me senti pequeno. Senti vontade de voltar no tempo e consertar pequenos erros... Mas, não sou mais aquele menino de 14 anos. Inocente. Sou um homem de 23 anos, e sei que o tempo também passou, e não vai mais voltar. Tudo acaba! Eu também irei acabar.
Sou um homem. Tenho sentimentos. Eu amo, eu odeio, eu rio, eu choro, eu tenho ciúmes. Como tenho! Mas tenho que lutar contra isso também. Não posso ter ciúmes. Não quero mais dar murros em ponta de faca. Agora é tarde. Acabou. Vou acordar, abrirei a janela, e verei que lá fora há um sol brilhando intensamente. Para todos nós! Seremos felizes, porque esta tristeza também vai acabar! Carpe diem!

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