(originalmente publicado em)
Valença, domingo, 16 de julho de 2006.
Canto de uma saudade
Sob a cianose do firmamento
ebúrneos cirros pincelados
qual obra jamais contemplada
em paredes de pinacoteca.
E lá estão elas - as garças -
seguindo o Cachoeira travesso...
Planam belas. Com que graça
Voam ao Zéfiro hibernal!
Do onírico cenário
choro a falta e ninguém vê.
Oh, distante Pedra Negra,
que saudade de você!
Fim de tarde, o Sol poente
no ébano das águas cria
um espelho emoldurado
na Beira Rio efervescente.
Do rush ao final do dia
a azáfama citadina
junto à paz crepuscular
tem, no contraste, harmonia
Do onírico cenário
choro a falta e ninguém vê.
Oh, distante Pedra Negra,
que saudade de você!
Desce a noite sobre a cidade
e, consigo, num amálgama
a neblina cinérea e gelada
a todos seduz com o olor...
Dos frutos de casca dourada
morenas amêndoas torradas,
do chocolate a essência,
exalam tão doce vapor!
Do onírico cenário
choro a falta e ninguém vê.
Oh, distante Pedra Negra,
que saudade de você!
Dou adeus ao frio, ao ar seco,
vai-se a neblina, a cerração...
Este inverno, conquanto austero
mantém cálido o coração.
Sigo em frente, rumo ao Norte,
às terras de clima ameno,
porém tristes como o sepulcro
a nos guardar na fria morte.
Do onírico cenário
choro a falta e ninguém vê.
Oh, distante Pedra Negra,
que saudade de você!
Ao chegar, a fina garoa
- prenúncio de dor e tormento -
infindável, em minhas faces
mesclava-se ao pranto vertido
"Sozinho! Cadê meus amigos?"
Questiono-me em triste lamento
"Aqui, cumprirei meu exílio!"
Suspiro, soturno, vencido...
Do onírico cenário
choro a falta e ninguém vê.
Oh, distante Pedra Negra,
que saudade de você!
Morosos, arrastam-se os dias...
parecem, lá fora, parados.
Porém, no meu imo, apodreço,
a cada segundo contado...
Pelo céu plúmbeo as aves negras,
de longe avistam pelo chão,
de carniça, pútridos nacos
nas poças de lama espalhados.
Do onírico cenário
choro a falta e ninguém vê.
Oh, distante Pedra Negra,
que saudade de você!
Vagando a esmo pelas ruas
medonhos demônios vislumbro.
Seus olhos hostis me condenam
por delito quitado desde
o meu degredo a esta úmbria!
Maldito lugar! Eu não vejo
da avenida as belas árvores!
Vejo apenas um rio imundo
o qual nem Caronte trespassa!
Do onírico cenário
choro a falta e ninguém vê.
Oh, distante Pedra Negra,
que saudade de você!
Sofro, todavia, espero
cumprir o meu banimento.
Rever as garças no bambuzal!
Do cacau, cheirar o incenso!
Amigos - ternamente abraçar.
Narrar, madrugada afora,
como um longínquo pesadelo,
feliz, o fim do meu tormento...
"Utopia, esta é a minha utopia..."
Do onírico cenário
choro a falta e ninguém vê.
Oh, distante Pedra Negra,
que saudade de você!
(Nas terras do inverno chuvoso e ameno, num dia qualquer, igual a todos os outros)
Gustavo Carneiro de Oliveira, 15.07.2006.
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