sexta-feira, 23 de abril de 2010

Aderir ao sistema

(originalmente publicado em)
Itabuna, domingo, 17 de julho de 2005

Inverno. Frio. Chuva. Isolamento. Solidão. Saudade. O bom e velho Beethoven, mais uma vez enfrenta crises. Crises de ordem psicológica e de ordem financeira. Os comentários da ordem financeira eu dispenso. Sei que não poderei mudá-lo mesmo enquanto eu mantiver o status de estudante...
Sobre a outra crise... Ah, já não sei mais o que dizer. Estou vivendo um período em que o entusiasmo passou. A liberdade de escolha não é mais uma dádiva! Do contrário, ante a falta de opções de se ter o que escolher, passa a ser um fardo! Tenho pensado muito na minha vida afetiva e percebo que eu não nasci para ficar solteiro. Pelo menos, não em Itabuna. Não numa cidade pequena onde eu conheço quase todo mundo e nesse emaranhado de gente, não encontro uma pessoa sequer que me interesse. Aliás, quase. Encontrei algumas pessoas interessantes, e cheguei a uma conclusão: a grama do quintal do vizinho sempre é mais verde! Não, não vou querer atravessar o muro para provar. Apenas deixo de olhar, e com o tempo a grama vai acabar amarelando de novo...
Ando com a auto-estima um pouco abalada, tentando fazer de tudo para não despencar de uma vez. E com a consciência de que isso vai passar... Mas até que passe dói. E enfrentar essa dor é um saco! A paciência se esvai a cada falha no sistema do meu computador. Os papos com os amigos têm sido desinteressantes. E eu, com meu jeito idiota de ser, esperando viver num mundo de ilusões, acabo me decepcionando cada vez mais com as pessoas à minha volta. Incrível é que todos reclamam da superficialidade das relações, mas ninguém faz nada para mudar. Todos se adequam (?) a um sistema falho, e tocam a vida para frente, mesmo achando tudo discrepante, e mesmo tendo a consciência de que há algum parafuso fora da engrenagem. E eu? "Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo". Não é o pensamento de que sou especial. Não é a idéia de que sou superior. Menos ainda a tendência de que sou único. Apenas tento dar a cada um o melhor de mim. E ainda sou leviano por isso. Sou um "sonhador que ainda vai sofrer muito" (palavras de amigos). Talvez, mas sou o que sou. Estou cansado de um mundo de aparências onde todos necessitam fazer parte das estatísticas de que estão bem, mesmo sem o estar. A felicidade deixa de ser espontânea e vira uma obrigação! E ninguém lembra de pedir colo quando precisa. E sempre precisam!

Poema em linha reta - Fernando Pessoa

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,

Eu, que tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;

Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a ora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal, e os ouço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil, no sentido mesquinho e infame da vileza.

Minhas noites têm sido ruins. Pesadelos rondam meu sono, e amanheço mais cansado do que me deito. Hoje enfrentei um leão que me próprio pai trouxe para me matar. E pouco antes escapei de ter sido queimado por um psicopata. Pelo menos saí vitorioso em ambos... Será que isso é um sinal? Será que devo interpretar os sonhos como um aviso de que chegarei ao meu limite, mas vencerei no fim? Olhando por este ângulo, fico mais reconfortado... Sem mais delongas, carpe diem.

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